Edital MCT/CNPQ 14/2008 Universal Processo 470333/2008-1



11 de agosto de 2012

Elogio da Traição (São Luís 400 anos)


O PASSADO DEVE SERVIR PARA ALGUMA COISA

Alexandre Fernandes Corrêa

Os leitores que hoje possuem mais de 40 anos já devem ter ouvido falar da peça de teatro chamada Calabar, escrita por Rui Guerra e Chico Buarque e dirigida por Fernando Peixoto em 1973. Devido a censura da ditadura militar só foi encenada ao público em 1980. A lembrança desse texto teatral, nesse momento de debates e discussões, sobre a fundação francesa ou portuguesa da cidade de São Luís, nos parece oportuna. Os debates sobre o tema das origens míticas ou históricas da capital maranhense têm adquirido sobressaltos um tanto dramáticos; com partidários apaixonados dividindo-se entre duas posições divergentes: de um lado, a defesa glamourosa dos fundadores franceses (francofilia); de outro lado, os mais tímidos defensores dos portugueses (lusofilia). 
O curioso é que nesse drama semelhanças há com a história de Recife e Olinda, estudadas por nós quando pesquisamos em Pernambuco no final dos anos de 1980. Ao realizar um trabalho de pesquisa antropológico nos famosos Montes Guararapes - nos quais se realizaram as memoráveis batalhas pela expulsão dos holandeses - pudemos constatar que ainda há reminiscências profundas do mesmo conflito entre duas versões de fundação e identificação histórico-cultural. Em Pernambuco encontramos também um dilema parecido, tratado no fundo da peça teatral referida acima. Os autores do espetáculo perguntavam a todos: a qual senhor europeu o Brasil deveria servir? O Brasil - projeto de futura luta nativista pela Independência - teria sido melhor colonizado por holandeses do que pelos portugueses?
No ensaio Festim Barroco (Corrêa, [1993] 2008), nós traçamos algumas considerações críticas sobre as versões histórico-culturais desse conflito, considerando suas conversões míticas e simbólicas mais sobressalentes. Creio que podemos então tirar algumas lições desse trabalho, através do exercício da mitanálise, tomando foco agora sobre os nossos atuais estudos dos mitos e dos ritos de fundação da capital ludovicense.
A personagem histórica Domingos Fernandes Calabar foi utilizado por Chico Buarque e Rui Guerra, no início da década de 1970, como agente de crítica ao momento pelo qual passava o nosso país sob o jugo severo do regime ditatorial militar - período em que eram comuns os usos das metáforas nas produções artísticas a fim de, por um lado, burlar a censura rigorosa do sistema e, por outro, denunciar a situação atual. Na peça encontramos distorções históricas importantes, com intuito deliberado de causar espécie de inquietação, com muita força dramática; licenças mais que compreensíveis naquele contexto. Quando aqui forçamos alguma comparação com o que foi tratado nessa obra, é no sentido de provocar uma movimentação no nosso imaginário social sobre a questão em voga. Afinal, realmente há semelhanças que nos suscitam comparações intrigantes. Em Pernambuco, ainda hoje é comum ouvirmos elogios as possibilidades de maior desenvolvimento de Recife e Olinda, caso os holandeses continuassem como senhores, ao invés dos lusitanos ou ibéricos. Invocam-se as ciências e as artes promovidas pelo "grande" Maurício de Nassau; o esclarecimento dos empreendedores batavos e judeus, em harmonia empresarial; e muitas outras vantagens modernistas e capitalísticas que os holandeses teriam sobre os atrasados, semi-feudais e barrocos portugueses ou espanhóis. 
Em São Luís parece-nos que o ‘elogio da traição’ às origens lusitanas e ibéricas graça com força, ao ponto de ser oficializada a sua fundação por franceses. Contudo, em Pernambuco jamais essa traição ganhou apoio institucional; aliás, naquele estado da federação as Forças Armadas celebram as suas origens, fincadas nas batalhas dos Montes Guararapes, em rituais de rememoração teatralizados, com grande pompa e ostentação espetacular; comemorando a expulsão dos invasores holandeses. Todavia, sempre que pensamos nessas celeumas históricas, fantasiando sobre as faustosas vantagens que poderíamos obter caso fossemos colonizados por franceses ou holandeses, lembramos dos nossos países de fronteira ao norte: as Guianas! Parece que nenhum desses três países colonizados por europeus não-ibéricos são exemplos de alto desenvolvimento nos trópicos. Os defensores de “senhores melhores e mais esclarecidos” se esquecem de visitar os índices de desenvolvimento humano (IDH) desses países fronteiriços colonizados, e alguns deles, ainda submetidos, as três metrópoles europeias tão exaltadas pelos anti-ibéricos: Inglaterra, França e Holanda!
Voltando para a peça teatral, no meio do ATO I, no diálogo entre Mathias Albuquerque (ex-governador de Pernambuco) e a personagem que representa o Holandês, diz-se: “No fim das contas o passado deve servir para alguma coisa...” (2006, p. 45). E como tem servido ultimamente! Pode parecer irônico, mas em São Luís ocorre um fenômeno interessante; enquanto em Recife e Olinda (Pernambuco) se expressa sorrateiramente, e as vezes bem queixosamente, a infelicidade de termos caído "de novo" nas mãos ibéricas, no período designado de ‘Restauração’ (que começa com a expulsão dos holandeses em São Luís!); entre os maranhenses, desde 1912, ao se escolher o ‘pai’ fundador, deu-se atestado ao gaulês. No nosso pacto edípico firmado no começo do século XX, as elites hegemônicas entronizaram os francos como os "verdadeiros" fundadores da cidade e da capital do Estado do Maranhão e Grão Pará. A ‘traição’ foi legitimada e, sem resistências contundentes, percorreu o tempo em celebrações cada vez mais espetaculares, culminando com a apoteótica consagração em 1962! Agora, em 2012, prenuncia-se nova espetacular encenação cívica! Dessa vez, ao que parece, com algumas resistências de membros de academias científicas e de universidades públicas, engrossando as falanges dos descontentes com essa ‘traição’ ou “mistificação francófila”: não querem deixar passar para o século XXI tal atentado aos princípios da historiografia e da verdade histórica.
Reler a peça Calabar: o Elogio da Traição, hoje, é um exercício para o espírito que fará muito bem a todos; movimentando nossa musculatura ética e sacudindo nossa mente das poerias e teias de aranha das velhas e costumeiras ideias, repetidas ad nauseam. Trata-se de uma obra inteligente e sutil que coloca em foco; como escreveu Fernando Peixoto: “o comportamento dos homens entre si, observados numa determinada circunstância histórica. Essa postura traz o texto até nossos dias”. 
Sem dúvida, diga-se de passagem, tal objetivo é alcançado com maestria. E vemos até que, no que tange aos entrelaçamentos dos mitos individual e coletivo, comentados em outro artigo nosso, um dos autores da obra traz no nome a marca desse enlaçamento mitológico. O que nos faz relembrar de Mircea Eliade, quando escreveu: “É por isso que o inconsciente apresenta a estrutura de uma mitologia privada. Podemos ir ainda mais longe e afirmar não só que o inconsciente é ‘mitológico’, mas também que alguns dos seus conteúdos estão carregados de valores cósmicos, isto é, que eles refletem as modalidades, os processos e o destino da vida e da matéria viva. Podemos até dizer que o único contato real do homem moderno com a sacralidade cósmica se efetua através do inconsciente, quer se trate dos seus sonhos e da sua vida imaginária, quer das criações que surgem do inconsciente (poesia, jogos, espetáculos, etc.)” (Eliade, 2000, p. 68-69). Citação que cai perfeitamente no caso, tal como uma mão na luva! 
Vimos analisando os mitos, os ritos, as versões históricas e historiográficas, e os discursos de fundação da cidade de São Luís, há alguns anos, e consideramos que nossa contribuição torna-se significativa e útil na medida em que pretende alargar nossos horizontes para além das obviedades e da dimensão anedótica. Nessa trilha analisamos os contornos desses debates e pontuamos aspectos muitas vezes encobertos e negligenciados; afinal, o inconsciente social é dinâmico e não convêm posturas reducionistas no seu trato. O desafio é trazer à tona continentes subterrâneos que subjazem aos enunciados tomados como naturais e óbvios; trabalho que demanda tempo de elaboração e profunda escavação na história cultural.

Referências

BUARQUE, Chico. Calabar: o elogio da traição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.
CORRÊA, Alexandre Fernandes. Festim Barroco. São Luís: EUFMA, [1993] 2008.

ELIADE, Mircea. Aspecto do mito. Lisboa: Edições 70. [1963] 2000.

10 de agosto de 2012

MITO, IDEOLOGIA, SONHO E O ENIGMA DOS 400 ANOS


Alexandre Fernandes Corrêa e
Adriana Cajado Costa

Com a aproximação da efeméride dos 400 anos da cidade de São Luís (1612-2012), o que temos a dizer sobre a função simbólica dos mitos? Logo de início podemos dizer que o "mito é uma fala histórica", como adiantou Roland Barthes. No entanto, é nesse momento oportuno que pode se tornar muito fecundo invocar algumas reflexões sobre o trabalho de recuperação do mito na modernidade. 
Podemos partir da premissa que mito tanto remete a uma fala histórico-cultural, como a fala do mundo psíquico individual, pois a estrutura analítica mais pessoal, não nega homologia com os processos de análise sociocultural. De certa forma, podemos dizer que há muita semelhança entre o trabalho da Psicanálise e o da Mitanálise (ou da Culturanálise); enquanto ciências semiológicas operam escavações do tipo arqueológicas do inconsciente social e psíquico, sob regimes de escuta, pontuação, interpretação muito semelhantes. Por isso, afirmamos que é um grave erro a leitura do mito como discurso falso, fabuloso, ou enunciado mentiroso e enganador. Como se verá aqui se trata de uma resistência epistemológica reativa; remetendo-nos ao cientificismo obscurantista e retrógrado ainda preso a Ciência Clássica.
O diálogo entre Logos e Mythos ecoando desde a Antiguidade Clássica já passou por viradas importantes, em diversas revoluções epistêmicas, cristalizando-se no século XX. A crise do cartesianismo e do positivismo vem de longa dada e hoje, felizmente, entramos num novo estágio de conceituação da Mitologia. Contudo, ainda encontramos sobreviventes do velho paradigma fragmentador, resistentes e apegados àquela visão anacrônica do mito como discurso falso e enganador. São recalcitrantes presos ao racionalismo do século XIX, que contagiou muitos espíritos da primeira modernidade, espíritos evolucionistas da envergadura de um Karl Marx, por exemplo. Como se sabe, o jovem Marx chegou a considerar a noção de ideologia de um ponto de vista negativo, tomando-a como ilusão, falsa representação, falsa consciência. Na verdade, os que têm o mito como discurso mentiroso, o identificam com a noção de ideologia; baseado no jargão da Ideologia Alemã (1846). Mas os que se apegam a definição platônica do mito, também se vinculam aos pré-freudianos, aqueles mesmos que ainda consideram o sonho como material psíquico sem importância; um disparate insignificante.
Só depois da obra revolucionária de S. Freud o sonho passou a ser considerado material relevante para a análise psicológica. Assim como só depois da revolução epistemológica realizada no século XX, pelos revisores do próprio marxismo, passou-se a considerar a ideologia de um ponto vista positivo, e não mais negativo. Encontramos em Louis Althusser um dos grandes teóricos dessa virada filosófica e conceitual. Desde então, ideologia deixou de ser definida como sonho e ilusão, para ser considerada um sistema de representações articulando valores e ideias dominantes, em qualquer sociedade. “A ideologia é eterna, como o sonho”, escreveu Althusser. E parafraseando o filósofo francês em destaque, também podemos dizer: o mito é eterno.
E no intuito de solapar de vez as resistências ao estudo positivo do mito, recolhemos algumas citações significativas de alguns mestres da alta modernidade. E começamos com Edgar Morin: “O mito não é uma mentira, pois é verdadeiro para quem vive e é uma forma espontânea do homem situar-se no mundo, elevá-lo a outra esfera, ao transcendente, oferecendo valores  absolutos e paradigmas às atividades humanas, ocupando-se de tudo o que suscita a interrogação, a curiosidade, a necessidade e a aspiração”  (1986, p. 150). Nessa mesma linha de argumentação, lembramos de Mircea Eliade, ao constatar que “o mito é uma realidade cultural complexa, que pode ser abordada e interpretada em perspectivas múltiplas e complementares... Conta uma história sagrada, relata um acontecimento que teve lugar no tempo primordial, o tempo fabuloso dos começos” (2000, p. 12). Afinal, é ao mito que cabe preservar a verdadeira história, a história da condição humana; falando de realidades e do modo como elas passaram a existir. Conhecer os mitos é aprender o segredo da origem das coisas. Por outras palavras, “aprende-se não só como as coisas passaram a existir, mas também onde as encontrar e como fazê-las ressurgir quando elas desaparecem” (p. 19).
E avançando na direção da análise individual, Azoubel Neto lembra: “A psicanálise redescobriu o mito, retomou o seu estudo e fê-lo através de um método de trabalho próprio, um método que constitui em si um processo de resgate. Localizou a presença do mito como uma condição real, atuante e atual no inconsciente” (1993, p. 15). E retomando Eliade: "É por isso que o inconsciente apresenta a estrutura de uma mitologia privada. Podemos ir ainda mais longe e afirmar não só que o inconsciente é ‘mitológico’, mas também que alguns dos seus conteúdos estão carregados de valores cósmicos, isto é, que eles refletem as modalidades, os processos e o destino da vida e da matéria viva. Podemos até dizer que o único contato real do homem moderno com a sacralidade cósmica se efetua através do inconsciente, quer se trate dos seus sonhos e da sua vida imaginária, quer das criações que surgem do inconsciente (poesia, jogos, espetáculos, etc.)" (2000, p. 68-69).
Em Jacques Lacan encontramos a reiteração precisa da função do mito, que para ele é a de liberar as pessoas de uma pergunta que nos frenquentemente dizimados: “querendo responder ao que se apresenta como enigma, quer dizer, àquilo que se presume ser sustentado por esse ser ambíguo, que é a esfinge, onde se encarna, falando propriamente, uma dupla disposição por ser feita, tal como o semi-dizer, de dois semi-corpos” (1992, p. 113). O mesmo autor enfatiza este processo do imaginário ao simbólico, ao constituir-se uma organização do imaginário em mito, ou, pelo menos, no caminho de uma construção mítica verdadeira, isto é, coletiva, e nos lembra disso por todos os lados, a ponto mesmo de evocar para nós os sistemas de parentesco (1995, p. 273).
É quando nos aproximamos de Lévi-Strauss (1985), antropólogo das Estruturas Elementares do Parentesco: “A substância do mito não se encontra nem no estilo, nem no modo de narração, nem em sintaxe, mas na história que é relatada. O mito é linguagem, mas uma linguagem que tem lugar em um nível muito elevado, e aonde o sentido chega, se é lícito dizer, a decolar do fundamento linguístico sobre o qual começou rolando” (p. 242). Enfim: “o mito se desenvolverá como em espiral” (p. 265).
Portanto, considerando todas essas referências mestras, ao acusar o propalado enunciado de fundação francesa de São Luís do Maranhão, um exercício espúrio de mitomania interessada ou alienada, é perpetuar o véu do obscurantismo: afinal, que nome teria essa cidade? Os que tentam resolver de modo simplório o dilema do drama sociocultural subjacente a essa configuração mitológica no campo histórico, apenas encobrem com inconsequente irresponsabilidade algo que submerge nessas falsificações e mistificações pseudo-esclarecedoras. Para nós, subjacente a estas incompreensões e confusões está o debate sobre o reconhecimento das identificações recalcadas e não resolvidas, pois encobertas e disfarçadas neuroticamente. Acusar de mitomania os que se alinham a fraconfilia, é querer falsificar a ciência sob o manto da verdade historiográfica - recurso último da propaganda lusófila -, da qual não se tem garantia alguma de carta fundacional mais legitima ou mais verdadeira. Para solucionar esse enigma é preciso superar os obstáculos que ainda obnubilam a mente dos que se dizem críticos.

Em suma, por tudo que foi aqui recolhido em palavras: mito não é mentira, ideologia não é ilusão e sonho não é um disparate! E, parafraseando o grande poeta portenho Jorge Luis Borges no poema A Fundação Mítica de Buenos Aires, concluímos: só na lenda, começou São Luís!

5 de agosto de 2012

BICENTENÁRIO DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL - 2022

Nós brasileiros não somos muito predispostos à antecipações, gostamos do imediatismo e de fazer as coisas em cima da hora. Haja visto os problemas que estamos tendo com a organização da Copa do Mundo e da Olimpíadas. Todavia, trazemos para esse blog, do fundo do palco, para frente da cena, nossas atenções especiais para os rituais celebrativos e comemorativos do Bicentenário de Independência do País, a ser festejado em 2022. Faltam dez anos para a data de 7 de setembro ser recuperada em todo seu fulgor e potência histórica e cultural. Será certamente um momento de exaltação e efusiva manifestação patriótica e nacionalista; especialmente por parte das agências oficiais. Porém, sabemos que não se restringirá a isso; nem deve. Os críticos vão se manifestar, os céticos, os anti-nacionalistas e toda uma plêiade de intelectuais, autoridades, pesquisadores, estudantes etc., vão expressar as diversas e diferentes versões da efeméride: prato cheio para os historiadores; mas, nem só deles. De nossa parte, vamos acompanhar a evolução dos acontecimentos e recolher tudo que for interessante, a respeito dessa celebração. A partir desse anos, depois de concluirmos nossas observações sobre o IV Centenário de São Luís, vamos nos dedicar aos estudos e pesquisas sobre o Bicentenário de Independência do Brasil.

* * * 

LITURGIAS POLÍTICAS

O foco de nossa análise recai sobre os ritos comemorativos na sociedade moderna, mais especialmente os que ocorrem mais recentemente no contexto periférico do sistema-mundo. Trata-se de uma socioanálise crítica de aspectos estruturais próprios da construção social das comemorações históricas, tomando como objeto empírico principal o IV centenário de "fundação" do Centro Antigo de São Luís/MA, em 2012. Destacaremos alguns dispositivos significativos dos processos rituais locais, típicos em sociedades situadas na periferia da economia-mundo, que nos parecem estruturados em modelos sociológicos concorrentes. Ao analisar esses teatros comemorativos das festas públicas, buscamos compreender a lógica de sua permanência e mudança, em seus traços socioculturais mais particulares. É a dialética da permanência e da mudança que nos tem chamado a atenção desde o nosso primeiro estudo sobre festa popular católica, nos Montes Guararapes de Pernambuco, no início dos anos de 1990. Nosso interesse no tema já avançou para observação de outras festividades públicas importantes no vasto calendário contemporâneo de ritos comemorativos públicos e oficiais. Desde a inauguração das festas republicanas atlânticas nos países centrais, como as comemorações dos 200 anos da Independência dos EUA (1976) e da Revolução Francesa (1989), aos 500 anos da Descoberta da América (1992), até as realizadas em países semiperiféricos como o Brasil (2000), temos muitas festividades cívicas completando um rico leque de agendas internacionais. Nosso estudo recaiu mais recentemente para as festas republicanas e de independência na América Latina, desde a revolução haitiana, em 1792, até culminar com o foco direto sobre o processo de construção sociocultural das próximas festividades comemorativas do Bicentenário da Independência do Brasil, em 2022. 

1 de agosto de 2012

Descoberta e invenção do Brasil - São Luís 400 anos


No momento em que nos aproximamos do 08 de setembro de 2012, data em que comemoramos os 400 anos de "fundação" da cidade de São Luís do Maranhão, convém lembrar de um texto interessante de Roberto da Matta, publicado por ocasião da proximidade das comemorações dos 500 anos de "descobrimento" do Brasil, no ano 2000.

* * * 

Descoberta e Invenção do Brasil

Roberto da Matta (*)

Neste mês de abril, mais precisamente no próximo dia 22, vamos comemorar os 500 anos do "descobrimento" do Brasil.

Ninguém definiu melhor esse episódio do que Lamartine Babo, quando, rimou Brasil, Cabral e Carnaval, definindo uma equação que nenhum estudioso havia notado: o Brasil foi inventado por "seu" Cabral, no dia 22 de abril, dois meses depois do Carnaval!

Enquanto os intelectuais pátrios discutiam os males da mestiçagem, Lamartine Babo singelamente conectava Brasil e Carnaval. Para ele, a palavra-chave para entender a "história do Brasil" não estaria no verbo "ser" (o Brasil é isso ou aquilo, é assim ou assado), mas num processo de construção coletivo: no Carnaval que inventa nossa identidade sendo, por sua vez, reinventado por nós.

Falo destas coisas porque observo com pesar que as comemorações do descobrimento estão cercadas de melancolia. A nossa incrível capacidade de confundir crítica com flagelação tem usado essa oportunidade para realizar uma espécie de antidescobrimento do Brasil. Ou seja: no justo momento de comemorar o aniversário do País, usa-se o evento para descobrir os índios que, além de donos da terra, tinham também sua visão particular dos portugueses. Isto posto, quem "descobriu" quem?

Nada tenho contra essa tese. Mas vale estimar que a comemoração da "descoberta do Brasil" não é proposta como uma verdade indiscutível. É, entretanto, um ritual derivado de um "mito fundacional". Uma história que - como todo conto - tem uma perspectiva e um ponto de vista. No caso, como não poderia deixar de ser, um inegável viés luso-brasileiro.

Todos os países tem "mitos fundacionais". Os americanos falam de uma nação feita por "pais fundadores", os representantes das 13 "colônias originais" que, congregados em federação, escreveram o documento fundador dos Estados Unidos, a sua Constituição. Os mexicanos falam de uma "conquista", salientando um traço marcante de sua colonização pelos espanhóis imbuídos de missão civilizatória. Em ambos os casos, esqueceram-se os índios e os negros, ambos dotados de visões particulares desses mesmos eventos.

Com quem ficar? Como encontrar a trilha nesta floresta de mitos e clamores civilizatórios, se não há bússolas ou juízes da história e das mitologias?

Só há um caminho. O que reconhece a "descoberta do Brasil" como um evento inclusivo. Não há razão para esquecer que toda descoberta implica em mutualidade e reciprocidade. É triste, e ao mesmo tempo revelador, que nenhum dos vários comitês destinados a organizar e honrar esse evento original de nossa história tenha enfatizado e apresentado esse argumento definitivo: o fato de que nas três Americas, somente o Brasil tenha um mito de "descoberta" (que inclui tanto a terra quanto os nativos), quando todos os outros mitos fundacionais "americanos" sejam constituídos por narrativas baseadas na exclusão e na dominação dos nativos e da natureza.

Além disso, é preciso também ter a coragem para admitir que toda sociedade tem o direito de comemorar seus mitos. Sobretudo quando esses mitos não clamam superioridade racial ou promovem o ódio étnico. Se todas as tradições contêm sua quota de arbitrariedade, porque não aceitar as que fazem parte da nossa mitologia fundacional? Uma mitologia, reitero, singularmente baseada na inclusão e na mutualidade. Na idéia de descoberta que permite dialogar e descobrir o ponto de vista do outro. Se os grupos radicais têm todo o direito de desmistificar o mito cabralino da descoberta do Brasil, nós, brasileiros, temos iguamente o direito de acreditar e honrar esse mito que, afinal de contas, dá origem a nossa história como coletividade.

Aceitos esses argumentos, por que então não deflagrar um debate coletivo pondo em foco a idéia de "descoberta", de "descobrimento" e de "descobrir", atando os que aqui chegaram com os que aqui residiam, uns e outros surpresos pela visão e pelo inusitado encontro com uma outra humanidade?

Seria ótimo, se não fosse, como sempre, um tanto tarde para se descobrir o óbvio.

É incrível nossa capacidade de confundir crítica com flagelação.

___________________
(*) Jornal da tarde de 16/04/2000 

16 de maio de 2012

Desobedeça, Transgrida, Reinvente!


Essa é a nova campanha publicitária da SCAMBOO Calçados!

Incrível observarmos esses cartazes e estampas fotográficas espalhadas em diversas cidades do país, conclamando a todos a sacudir a mesmice, a banalidade, o conformismo e a acomodação costumeira!

É por que a coisa está morna mesmo, muito conservadorismo, lugar comum e repetição!

A neurose social contemporânea possui está característica pós-moderna: população de zumbis que precisam de ser conclamados à transgressão, pela própria estrutura ideológica que impõe as séries de reproduções do mesmo, disfarçada na imagem da "diferença"...  

12 de maio de 2012

Amazônia - Patrimônio Ambiental e Cultural, para quem?‏


Prezados,

A notícia em relação ao "tombamento" do Encontro das Águas dos Rios Solimões e Negro no Estado do Amazonas me lembrou, em alguns momentos, aquela famosa manifestação de Cristovan Buarque em resposta a um estudante norte-americano sobre a preservação da Amazônia; que todos conhecem, pois circulou na internet, sendo considerado um dos documentos mais lidos na rede.

Vamos "Tombar a Amazônia" para quem?

Trata-se da recente "LIMINAR do STF que IMPEDE OBRAS NA REGIÃO DO ENCONTRO DOS RIOS NEGRO E SOLIMÕES"...

O STF através da decisão do ministro Dias Toffoli determinou a suspensão da ação de anulação ajuizada pelo Estado do Amazonas, por entender que ficou configurado conflito entre o ente federativo e a União, caso em que o julgamento é de competência do Supremo Tribunal Federal (STF), segundo o artigo 102, I, "f", da Constituição Federal

Não tenho competência jurídica para debater os aspectos técnicos da decisão, mas como possuo estudos livres sobre política do patrimônio cultural e ambiental, gostaria de colocar algumas apreensões quanto a esses processos de "tombamento" em curso.

O IPHAN está com o processo em andamento e o Estado do Amazonas entrou com uma ação na Justiça Federal do Amazonas, e conseguiu  suspender o processo de acautelamento. O STF, por questões de competência jurídica, suspendeu a decisão da Justiça Federal do Amazonas.

Qual é o problema aí? O que pode interessar um sociólogo, um processo desse? Ora, muito! Pois, o "tombamento" pode significar a tentativa de "congelar" a história o uso da "paisagem cultural e natural" do Estado pela sua população!

O IPHAN desse modo vai interfirir no processo de decisão quanto ao uso da "paisagem" para a história do Estado do Amazonas! Para (stop) a História: congela, patrimonializa, petrifica... Como fica a sociedade local? Ela participa desse processo?

O Estado do Amazonas, como ente federativo, através de seus representantes legais contestam tal "tombamento". Parece que o problema técnico está no foro em que foi encaminhado a ação de suspensão. Mas, fica a questão: não seria correto fazer um PLEBISCITO para decidir algo dessa monta? Os conselheiros do IPHAN é que devem ter o poder de decidir algo desse porte? A União, através do IPHAN, vai decidir o futuro ambiental e cultural do Estado do Amazonas?
Quem são os conselheiros do IPHAN: os colegas sabem seus nomes? Quem os indicou? Representam o quê, e quem? A população brasileira sabe o nome desses conselheiros?
Esse tipo de situação política e cultural, e ambiental, mereceria um debate mais aberto, democrático; no mínimo...
Não pode ser uma decisão tecnocrática e nem palaciana, deve ser aberta...

Vamos "Preservar a Amazônia" em que termos? Qual o projeto em causa?

"Tombar a Amazônia" é a solução? PLEBISCITO JÁ!

Bem, vou ficando por aqui... com essas reflexões heterodoxas! 

Um abraço!  

Alexandre F. Corrêa
CRISOL - Pesquisas e Estudos Culturais
www.crisol-gpec.com.br

PS - Será necessário ser-se odioso para se furtar ao contágio do consensual?
A Sociedade Transbordante.
Henri-Pierre Jeudy.

11 de maio de 2012

HANNAH ARENDT - Teatro das Memórias - EBOOK

PDF SB

Teatro Das Memórias: Entre O Passado E O Futuro

Teatro das Memórias: entre o passado e o futuro

Arendt, Hannah. 


Entre O Passado E O Futuro.


(Livro, Ler Online, Baixar Gratis) Em Portuguese

www.pasosonline.org
  
Teatro das Memórias: entre o passado e o futuro .
Alexandre Fernandes Corrêa† 


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo 
Patrimônio Cultural. ISSN 1695-7121 364 

Reflexão sobre o tema da VIª Semana Nacional dos Museus : 


“Museus como Agentes de Mudança Social e Desenvolvimento”. 


Apresenta a proposta de Ação Cultural 


Teatro das Memórias: Entre o Passado e o Futuro. 
Linguagem: portugueseNúmero de páginas: 11, size: 0.17 MB

10 de maio de 2012

O SILÊNCIO DOS CULPADOS E A OMISSÃO DOS INOCENTES


Por: Joãozinho Ribeiro Data de Publicação: 7 de maio de 2012 

“O Século XXI será da cultura e da espiritualidade ou não será”. André Malraux


Circularam na rede, nesta última semana, dois manifestos/desabafos de autoria de duas divas do circuito artístico-cultural maranhense, pelas quais cultivo um profundo sentimento de respeito e explícita admiração, pela seriedade com que tratam as questões da arte & da vida e pelas posições insurgentes que tiveram a coragem de expressar, sem fazer média com quem quer que seja, colocando o dedo na fratura exposta das políticas culturais do Estado do Maranhão e do Município de São Luís, num momento de imensos desapontamentos em todos os níveis, de artistas, produtores e agentes culturais de nuestra tierra.


Keyla Santana, atriz, produtora cultural e mestranda do Curso Cultura e Sociedade, da UFMA; Natália Ferro, cantora e compositora das mais promissoras das novas gerações; ambas, mulheres destemidas, que botaram a boca no trombone, compartilhando com o mundo circunstante a sensação de vazio e de desamparo das produções locais, denunciando o “mais do mesmo”, a “consagração dos consagrados” e a marginalização de dezenas de artistas que se recusam a fazer de suas criações apenas instrumento de “alienação da galera” e da proliferação do massacre midiático imbecilizante das emissoras de rádio e televisão, sob a cumplicidade e complacência do patrocínio do empresariado da província.

Essa falta de consideração com o patrimônio cultural, seja maranhense ou nacional, é um fenômeno que atinge marcas alarmantes, promovido em escala gigantesca pelas maiores empresas de comunicação do país, e projetado nos estados e municípios, com uma força cada vez mais avassaladora, em nome de uma cultura de massa e audiência a qualquer preço, que trava e impossibilita o surgimento e consolidação de alternativas culturais baseadas no engenho e na arte da nossa rica diversidade criativa.

Recentemente, foi destaque na imprensa local e nacional, a notícia de que São Luís ocupava uma das posições mais insignificantes no ranking das Cidades Criativas Brasileiras; mais especificamente, cidades que ostentam processos e/ou experiências exitosas associadas à economia criativa, setor da Economia da Cultura responsável atualmente por cerca de 10% do PIB do planeta, conforme pesquisas de estudiosos do assunto, pertencentes ao mundo acadêmico e empresarial de diferentes continentes.

E por falar em pesquisa, uma do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada neste último final de semana, revela que o Maranhão ocupa a quarta posição no ranking de estados com piores rendimentos escolares. Cerca de 61% de pessoas com 10 anos ou mais contam apenas com a educação básica ou nenhum tipo de instrução.
Com a educação abandonada à própria sorte (ou azar?) e o desprezo ao processo criativo dos nossos artistas e intelectuais, o que esperar de um Estado onde ainda impera a mais longeva oligarquia do País? Que cidade é essa, que recebe o título de Capital Americana da Cultura e o seu aeroporto permanece na condição de um acampamento de indigentes, com tendas superfaturadas por todos os lados?

Sem incentivo à diversidade criativa não há como agregar valores ao que se produz ou produzirá neste emaranhado de interesses privados em que patina e escorrega o Maranhão, sem avançar um centímetro sequer no rumo da venta. Grandes projetos só podem fazer algum sentido se a riqueza produzida por eles for compartilhada pela maioria da população que habita o território onde estes estão sendo implantados.

A agregação de valores em todos os campos da criação humana só acontece com cidadãos livres para pensar, criar e fazer as suas escolhas; seja no campo político, social, econômico, religioso, cultural ou ambiental. Sem este requisito é impossível se falar em desenvolvimento, como se este acontecesse por um passe de mágica, retirando, de uma hora para outra, milhões de pessoas da condição de miséria, sem atacar a besta-fera da desigualdade e a posição daqueles que se beneficiam com a desgraça alheia.

Concluo a conversa desta semana com os leitores da coluna, compartilhando um texto da Doutora em Arquitetura e Urbanismo, Ana Carla Fonseca, que recentemente teve sua tese “Cidades Criativas”, aprovada com louvor na ECA/USP:

“Dentre as várias definições possíveis de desenvolvimento, uma das mais professadas foi cunhada pelo economista indiano Amartya Sen. Para ele, desenvolvimento requer a expansão das liberdades de escolha – que, por sua vez, exigem não apenas a possibilidade de fazer uma escolha (ou seja, ela estar disponível), como também ter a capacidade de refletir a respeito do que se quer escolher, ao invés de escolher o que os outros (a mídia, a opinião pública, a crítica especializada) nos levam a querer”.

Minhas caras e estimadas, Keyla e Natália, parabéns, mais uma vez, pela coragem e sinceridade das intenções e gestos conscientes e generosos que compartilharam conosco, desafiando o silêncio dos culpados e a omissão dos inocentes.

Joãozinho Ribeiro escreve para o Jornal Pequeno às segundas-feiras.

30 de abril de 2012

DESABAFO DE UMA ARTISTA


ACORDA SERPENTE!


"Uma coisa que me deixa puta é esse apelido que São Luís tem de "Ilha Rebelde". Porque eu entendo rebeldia de uma maneira absolutamente diversa de irresponsabilidade. Rebeldia é não aceitar o imposto, olhar as coisas sobre uma perspectiva menos viciada, enfrentar paradigmas, vencer dogmas, não estagnar no passado, questionar e principalmente repaginar o presente. Ser rebelde é ser atuante, consciente, crítico, inalienável.



Irresponsabilidade, é o avesso de tudo isso, com a agravante ainda mais cretina que é o egoísmo. Irresponsabilidade é abandonar, não diferir, não contribuir, não colaborar, não cumprir, não apoiar... É também roubar de si o dever de cuidar pra que as coisas evoluam, dentro e fora de nós.


São Luís é uma ILHA IRRESPONSÁVEL.


Aqui as pessoas arrotam o azedo e mofado título de "Atenas Brasileira", como a pelo menos 2 séculos isso não deixasse de ser realidade. Talvez porque de atenienses tenham conservado o hábito do ócio. Só que a modalidade daqui é mental.
Eu podia passar a vida aqui comentando de todos os descasos escrotos que assolam nossa cidade e tem como mais importante causa o desinteresse absurdo da nossa população, e podia falar de todos esses filhos da puta que estão aí drenando nosso dinheiro pra aparecerem de dois em dois anos mostrando seus sorrisos de acrílico, conseguindo assim mais 4 anos de pura mamata.


Mas eu sou artista, e escolhi falar da parte de me cabe, ou seja, o nosso cenário cultural.
O nosso público é preguiçoso e os nossos artistas também. A nossa cena ainda ocorre pelo esforço quase beato de pouquíssimas pessoas que se preocupam em colocar a nossa cultura no lugar que eu já nem sei se ela merece mais.

Ontem fui ao BR-135. E eu vou pedir licença ao meu amigo Alê Muniz pra tecer algumas informação e dados válidos sobre o projeto.


O BR foi montado com o muito principal objetivo de conceder palco de qualidade e público aos nossos artistas a um público aparentemente ávido de novidades e renovação da nossa música. Não só da música, aliás.
E ele surgiu também como alavanca de surgimento de outras iniciativas da mesma natureza, ousadas, que tirassem o invólucro, a casca vendida da nossa culturalidade.


O BR surgiu pela iniciativa de duas pessoas que não tem a menor necessidade de pensar no futuro cultural da nossa cidade, pois já se despiram da aura pegajosa e magnética que parece envolver as pessoas daqui. Essas pessoas sequer precisam morar em São Luís, mas ainda assim resolveram não esquecer da sua vontade de ver aqui as coisas mudarem de figura.
E essa galera tá fazendo isso sem patrocínio de NINGUÉM. O apoios que recebem são extremamente bem-vindos e são dados por "brothers" (como o Alê falou ontem), por gente digna, realmente rebelde e que não desiste disso.


Grosso modo, os organizadores do BR estão tirando grana do próprio bolso pra ver a parada funcionar.
E leia-se: - O BR não chama ninguém pra tocar de graça! Ali a ideia é que o artista se sinta como o artista que é.
Aí eu revoltadamente me deparo com o fato de que, mesmo sendo um movimento ousado, necessário, esperado e de ingresso barato, o povo não tá indo. Nem público precisado, nem artistas interessados, nem mídia especializada de qualquer natureza, inclusive marrom. NADA.


A galera daqui tá deixando o BR morrer como fazem com todas as iniciativas que não envolvem putaria de verbas e eventos popularescos emburrecedores.
Eu me envergonho de pensar em quantas pessoas deixaram de ver os shows incríveis de Madian e Preto Nando ontem pra ir pro sertanejo ou por forróbunda. Eu me envergonho das empresas que contribuem pro enraizamento e instalação irreversível desse vazio cultural, e simplesmente CAGAM pra iniciativas que transformam ideias e pessoas. Eu me envergonho dos artistas preguiçosos e desunidos que vivem no mundo ao redor de seus próprios umbigos minúsculos, e que não pensam que sozinhos não chegarão a lugar nenhum.


Enfim, eu me envergonho pela desilusão das poucas pessoas que ainda tem a intenção de fazer alguma coisa pela gente.
Esse manifesto aqui é de desesperança. Eu não acredito sinceramente que as coisas possam ficar melhores do que o pior que já existiu.


Enquanto não for repensando esse conceito de que a gente é especial, que a gente foi colonizado por francês, que a gente é mais sabido que todo o Brasil, que a gente não precisa de ninguém, que a gente é filho, sobrinho, parente, puta do deputado... Isso não vai mudar.


É preciso que nos conscientizemos. São Luís é uma bosta. Nossa sociedade é corrupta, leviana e burra. Nossos políticos são asquerosos. Aqui é fim de linha.
E eu termino esse desabafo dizendo que menti.
Esse não é um manifesto de desesperança. É um manifesto de desesperada.
É o que posso fazer no momento pra dar a minha contribuição a um utópico desejo de resitir, e é com muita dor que o faço.

Eu não queria ter que dizer tudo isso, e queria trabalhar com dignidade da minha própria arte na cidade em que eu nasci. Eu queria que os meus companheiros de profissão fossem também os de vida, e que a gente se unisse num esforço sincero de se apoiar e se acrescentar pra crescer junto. Eu sonhei com o dia em que iniciativas independentes fossem abraçadas como oportunidades reais de fortalecimento da nossa identidade artística.


Eu sofro pelos rebeldes que restam. E não posso rezar pelos irresponsáveis que transbordam, infelizmente.
Eu desejo mesmo, muito, é ver a porra dessa Serpente acordar.

Parabéns a todos os rebeldes que fizeram, apoiaram e compareceram ao BR-135 ontem. Foi um lampejo lindo do que a gente deveria ser."

Nathália Ferro, cantora e compositora maranhense.
Texto publicado nas redes sociais, dia 29 de abril de 2012.

6 de abril de 2012

No Dia do Assassinato de Cristo.


No Dia do Assassinato de Cristo.

Nosso Amor-Vida que estais no Céu,
Santificado seja vosso nome,
Venha a nós o vosso Reino.

Seja feita vossa Vontade.
Assim, na Terra como no Céu.

O pão nosso de cada dia,
Nos dai hoje.

E perdoai as nossas culpas.
Assim como nós perdoamos
Aos que nos tem ofendido.

E não permitais que nosso amor seja deturpado;
Mas livrai-nos de nossas perversidades.

Amém!

Wilhelm Reich

14 de fevereiro de 2012

Festa e Guerra em Tempos de Carnaval

Tomatina: Festa da Guerra do Tomate (Espanha)
Aspectos socioculturais merecem ser destacados dos acontecimentos lamentáveis registrados no último final de semana em São Luís/MA. Trata-se do verdadeiro campo de guerra que se instalou, momentos antes de um grupo musical da Bahia, chamado Psirico, apresentar-se no palco principal da Festa Pública organizada pelo Governo do Estado do Maranhão, designada de CARNAVAL DOS 400 ANOS!

Trata-se de uma festa contratada com dinheiro público, agenciando artistas locais e de outros estados da federação, para embalar num rito pr-e-carnavalesco, a multidão sempre ávida por diversão, entretenimento e lazer. Principalmente os jovens, em pleno vigor de suas energias vitais.

Mas, o que um sociólogo dos processos culturais pode dizer sobre os fatos ocorridos? Afinal, trata-se apenas de constatar uma total desorganização e despreparo do poder público instituído, em promover e garantir a segurança pública! Além de uma aberração em termos de política cultural para uma cidade e um estado! Certaamente, é mais um caso para investigação, responsabilizações e punições; sem dúvida!
Todavia, nosso interesse no tema vai além de constatar o óbvio; vai além de sublinhar a incompetência dos aparelhos de segurança e da cultura do Estado; abandonado a sorte e ao destino!

Nesse momento, gostaríamos de ressaltar um fenômeno que extrapola a realidade local e atinge o horizonte do processo civilizatório.

Ao assistir a gravação feita por um popular, através de vídeo amador - possívelmente por aparelho celular, e disponível no YouTube no endereço: http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=OjnmZo1f0Vc - nos deparamos com uma realidade que nos faz remontar a algumas reflexões sociológicas apresentadas antes da II Grande Guerra Mundial, mas que ganhou destaque nos décadas de 1950 e 60, do século passado. Trata-se mais particularmente da obra O Homem e o Sagrado (1939), de Roger Caillois. Nesse livro o sociólogo francês da Escola de Sociologia fundada por Émile Durkheim, defende, em poucas e ligeiras palavras, a teoria de que as festas, com o desenvolvimento da urbanização e da industrialização, tendem a desaparecer da paisagem civilizada, dando lugar, não ao fenômeno das férias ou do lazer; mas, a guerra! Sua teoria é que as sociedades modernas ao empobrecerem a expressão da efervescência coletiva das festas, dão lugar para o desenvolvimento do fenômeno da guerra: destruição programada, sacríficio, desperdício, desgaste, que só se comparam com a força e virulência das antigas festas e festivais arcaicos.
Em 1949, nesse mesmo livro, Caillois chegou a fazer uma observação interessante, sobre o Carnaval do Rio de Janeiro:

"Na América Latina, em especial nos carnavais do Rio de Janeiro e de Vera Cruz, onde durante uma semana prolongada toda a população de uma sociedade e dos arredores se mistura, canta e dança, se agita e faz barulho numa efervescência quase ininterrupta, pude verificar que a minha descrição da festa, ao contrário de ser quimérica, correspondia no essencial a realidades ainda vivazes e observáveis, embora visivelmente em decadência por causa das necessidades da vida urbana contemporânea." (p.10).

Podemos avançar nas considerações que estas palavras implicam, arriscando uma certa Antropologia Experimental, ou crítica cultural, tentando avaliar os alcances dessas análises; hoje, em pleno início do século XXI.

Primeiro, constatamos que a festa brasileira não está decadente!
Pode-se dizer que passou por transformações e metamorfoses, tanto profundas e como superficiais; contudo, não desapareceu! E mais, ao espetacularizar-se ganhou em profusão, alarido, rítmo, colorido e expressão! A despeito de ter-se turistificado, tornando-se mercadoria midiática, ainda resiste em alguns rincões, mesmo metropolitanos, com características consideradas "arcaicas", nas palavras do sociólogo observador de 1949. É certo que não se trata das mesmas festas; nem primitivas, nem modernas!
No entanto, o que podemos encontrar de sutil nessa teoria de Caillois?
Vestígios de um evolucionismo durkheimiano que aproveita do funcionalismo algumas ferramentais conceituais, por exemplo, a hipótese da válvula de escape; mas que não resiste as nossas observações contemporâneas. A festa continua forte, viva e poderosa; necessária, ritual, marcante!

A teoria falhou? Vejamos!

O sociólogo postula a seguinte equação, dividida em axiomas: a) A Festa é sobrevivência do mundo primitivo; b) A Modernidade empobrece a Festa; c) A Guerra ocupa o lugar da Festa na sociedade moderna.
O que podemos concluir desses postulados? A sociedade brasileira ainda não concluiu o ciclo de desenvolvimento urbano e industrial necessário para a confirmação dessa teoria? Ou a teoria peca por não relativizar o contexto cultural, religioso e moral peculiar a cada sociedade?
A nosso ver, parece que no Brasil, e na América Latina, encontramos um tipo sociológico não previsto pelo sociólogo francês. Há uma síntese, um sincretismo histórico-cultural curioso, em que a festa mantém viva e vibrante, apesar do desenvolvimento das forças produtivas. É uma festa organizada, racionalidada, menos espontanea; mas, mantém-se constante. Como explicar isso?
Por mais que os nostálgicos digam que os Carnavais de antigamente eram melhores, mais autênticos, mais verdadeiros, etc., é evidente que a festa é um traço que mantém-se recorrente e significativo em nossas sociedades latinas.
O Brasil não faz a guerra - não difunde e não desenvolve a máquina beligerante - faz a festa!
Até onde podemos avançar com essa sentença? É assim que se dá? O povo brasileiro é pacífico, ordeiro, festeiro, alegre? É assim que podemos perceber essa nação, e sua "identidade cultural"?
Então, como explicar a violência que explode em diversos locais, cidades, regiões e estados desse país? Em pleno período pré-carnavalesco! Em que a teoria social pode nos ajudar a entender esse fenômeno aparentemente contraditório e paradoxal?Jean Duvignaud, na obra Festas e Civilizações, publicada entre nós nos idos de 1983, escreveu:

"O Brasil - assim como a América Latina - (...) oferece a imagem ou a ilusão daquilo que poderia ter sido uma civilização que houvesse acolhido outra opção, diversa da rentabilidade e do capital. O ingresso na economia de mercado era inevitável? Por acaso, é inconcebível a existência de uma sociedade que pratique a redistribuição da riqueza, orientando-se para a procura do desenvolvimento de homens e mulheres, ao invés do esforço  no  sentido  de  uma organização sistemática  com  vistas a eleger o trabalho como a única finalidade social dos seus membros? Quatro séculos mais tarde, a pergunta ainda não parece haver sido formulada (...)" (Duvignaud; 1983, p. 24).

Duvignaud sugere nessa obra, que nós sigamos em busca de uma nova epistemologia que nos dê condições de superar os impasses da teoria sociológica clássica; como vimos em Roger Caillois. E nesse caminho assevera:

"É possível que a Europa não mais disponha de condições para a realização de um esforço desta natureza, embora aqui e ali despontem tentativas para decifrar o que antes parecia incompreensível. O Brasil, sem dúvida é um dos continentes onde a auto-análise - a auto-antropologia, a auto-sociologia -  podem demolir a epistemologia dominante. Mas, para isso, é claro, deve colocar entre parênteses as ideologias ou as doutrinas e 'descer à profundidade das próprias coisas'...
A festa não é, em verdade, o exercício irracional com que a queriam rotular apenas porque não correspondia às categorias menstais de um mundo paralisado pela ideia da funcionalidade ou da rentabilidade. Afinal de contas, conforme dizia Hegal, se a realidade é irracional, muito bem, devemos nesse caso inventar uma conceituação irracional..." (p. 25).
 
O que ocorreu na Avenida Litorânea da cidade de São Luís/MA e que pode ser vista no vídeo indicado acima, refelte que realidade sócio-cultura e histórica. Trata-se apensa de uma desordem nos dispositivos de controle institucional da festa programada e racionalidada? Houve uma disfunção do sistema de controle que gerou, por incopetência e falta de gerenciamento, uma explosão irracional de violência localizada e esporádica? Ou encontramos aí com um tipo sociológico sui generis em que a festa e a guerra se associam num novo fenômeno coletivo, ainda indecifrável, não codificado?

Observem que a pessoa que filmou e divulgou o vídeo na Internet, por diversas vezes no decorrer das cenas, gravadas sem edição, em 6 minutos de sequência, repete diversas vezes: - É Guerra na Litorânea! É Guerra! E o próprio título do vídeo foi divulgado nesses termos: "GUERRA NA LITORANEA, SAO LUIS-MA"! Da festa para a guerra! No mesmo espaço, no mesmo ritual, no mesmo evento! Não é uma coisa (social) ou outra; sào as duas coisas (sociais) num mesmo processo e devir!
Qual o nosso conceito de festa? Qual o nosso conceito de guerra
Quantos fenômenos sociais atualmente podemos classificar como ao mesmo tempo festa-guerra? Não são poucos!


Talvez estejamos diante de um desafio sociológico e antropológico que merece nossa atenção!
É preciso avançar na teoria social da festa e da guerra!

* * *

Essa reflexão está sendo incorporada no texto:


PARA UMA ANTROPOLOGIA DAS COMEMORAÇÕES HISTÓRICAS:
o caso do IV Centenário de São Luís/MA.



Trabalho a ser apresentado na 28ª. Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 02 e 05 de julho de 2012, em São Paulo, SP, Brasil.

28ª REUNIÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA (RBA)
“Desafios Antropológicos Contemporâneos”
02 a 05 de Julho de 2012 - PUC-SP

GT 39 Festa, Estrutura, Mudança
Coordenadores: Léa Freitas Perez (UFMG) e Roberto Motta (UEPB).

GT 39 Festa, Estrutura, Mudança / Léa Freitas Perez (UFMG) – Coordenador e Roberto Motta (UEPB) – Coordenador.

A exuberância festiva onde os movimentos dos participantes “não podem ser explicados por nenhuma finalidade precisa nem por objetivos estritamente definidos, pois as pessoas pulam, dançam, choram e cantam, sem que seja possível perceber o sentido dessa agitação” (Durkheim), bem como o êxtase do transe, são fenômenos que parecem ultrapassar toda estruturação lógica e toda expressão conceptual, correspondendo à experiências nas quais determinações da natureza e da cultura são superadas e sobrepujadas. Entretanto, só adquirem pleno sentido quando articulados em estruturas coerentes e só se tornam compreensíveis quando traduzidos na ordem dos conceitos. São fenômenos socioculturais que, embora já abordados por estudiosos como Durkheim, Robertson-Smith, Turner, DaMatta, Caillois, Leiris, Bataille, e, ao menos tangencialmente, Mauss e Lévi-Strauss, permanecem como desafio, convidando-nos a deslindar e a compreender a mistura de estrutura e anti-estrutura aí presentes. Ainda mais crucial num país como o Brasil, onde festa e transe são realidades corriqueiras e cujo próprio modo de ser nasce em grande parte do entusiasmo da festa barroca, que se prolonga até os dias de hoje, em diferentes formas de manifestação. O GT quer tratar da festa e/ou dos fenômenos ligados à antiestrutura e ao excesso enquanto ligados à gênese e à transformação das culturas e de seus agentes.

Título:
PARA UMA ANTROPOLOGIA DAS COMEMORAÇÕES HISTÓRICAS: o caso do IV Centenário de São Luís/MA.
Autor: Alexandre F. Corrêa (PGCult/UFMA)
  
Comunicação com incursão nos clássicos da Antropologia da Festa e reflexões concernentes a Sociologia dos ritos comemorativos na sociedade moderna. Análise crítica de aspectos estruturais na construção social das comemorações históricas, tomando como objeto empírico o IV centenário de São Luís em 2012. Destacamos dispositivos significativos dos processos rituais locais, estruturados em esquemas sociológicos concorrentes. Ao analisar esses teatros comemorativos das festas públicas, buscamos compreender a lógica de sua permanência e mudanças em traços socioculturais particulares. Recorremos às festas de 1912 e 1962, servindo de base sociológica comparativa, pretendo alcançar as dominantes culturais dessas máquinas comemorativas. Observamos um conflito histórico-político de fundo, manifesto nos embates sobre a ‘fundação’ mítica da cidade: francófilos x lusófonos. Contornando o debate historiográfico – em que surgem acusações de mitomania e falsificação ideológica – elaboramos a hipótese do confronto entre dois esquemas celebrativos concorrentes: a) comemorativo; b) festivo. Com o enfraquecimento do primeiro observa-se o segundo preponderar, perpetuando o dispositivo barroco consagrado. Este atravessa a história desde a Colônia, atualizando o pacto festivo do 'Triunfo Eucarístico' de 1733, em Vila Rica, incorporando requintes do espetáculo midiático carnavalizado: teatro barroco mágico para as massas pós-modernas.