Edital MCT/CNPQ 14/2008 Universal Processo 470333/2008-1



13 de agosto de 2006

Sabina Spielrein - Crianças e Psicanálise


Sabina Spielrein (Rostov, 1885 — 1942) foi uma das primeiras mulheres psicanalistas do mundo. Russa, de uma família de mercadores judeus, foi assassinada em 1942 por soldados nazistas na mesma cidade onde nasceu. Casou-se com Pavel Scheftel, um médico russo de ascendência judia. Os dois tiveram duas filhas: Renata (1912) e Eva (1924). Ambas morreram junto a sua mãe em 1942. Scheftel foi morto no Grande Terror (política repressiva orquestrada por Josef Stalin), em 1936.

Entre 1904 e 1905, Spielrein esteve internada no hospital Burghölzli em Zurique, onde trabalhava Carl Gustav Jung. Entre 1904 e 1911, estabeleceu forte relação afetiva com C. G. Jung. Posteriormente, após Spielrein sair do hospital e começar a estudar medicina, teve Jung como seu mentor de dissertação. Até mesmo o próprio trabalho de Jung adquiriu certa influência de Spielrein.
Graduou-se em 1911, defendendo uma dissertação sobre um caso de esquizofrenia. No mesmo ano, foi aceita como membro da Sociedade de Psicanálise de Viena.
Em 1923, Spielrein retornou para a União Soviética e, junto com Vera Schmidt, criou um jardim de infância em Moscou, sendo todas as paredes e as mobílias de cor branca, o que deu o apelido ao lugar de Enfermaria Branca. A instituição tinha como principal finalidade o rápido amadurecimento crítico e analítico das crianças. A Enfermaria Branca foi fechada três anos depois por autoridades soviéticas sob a justificativa de que o local provia práticas de perversões sexuais para as crianças. Um fato interessante foi que o próprio Stalin matriculou seu filho Vassili neste lugar, mas com um nome falso.
Um documentário chamado Ich hieß Sabina Spielrein (Meu nome era Sabina Spielrein) foi feito em 2002 pela diretora sueca Elisabeth Marton, sendo lançado nos Estados Unidos no final de 2005. Também foi produzido um filme pelo cineasta Roberto Faenza, o Prendimi l’anima, ou Jornada da alma no Brasil, com Emilia Fox como Spielrein e Iain Glen como Carl Gustav Jung.

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As origens do conceito de pulsão de morte:
introdução à obra de Sabina Spielrein


Renata Udler Cromberg

RESUMO

Este texto faz parte de um duplo projeto: uma pesquisa que venho realizando na qual analiso os documentos encontrados no início dos anos setenta e nomeados como Dossiê Spielrein, que trouxeram a tona a psicanalista, Sabina Spielrein, através do seu diário e da sua correspondência com Freud e Jung, bem como seus escritos principais e a iniciativa da publicação de sua obra completa em português, projeto em curso através da Editora Casa do Psicólogo, previsto para 2006. A análise do dossiê e dos seus textos permite afirmar que ela foi a visionária, introdutora e inventora do conceito de pulsão de morte em psicanálise. Isto se deu no seu texto de 1911, A destruição como causa do devir,2 apresentado parcialmente, em sua primeira parte, em novembro daquele ano, na Sociedade Psicanalítica de Viena, da qual ela foi a segunda mulher a tomar parte e se filiar. A análise deste texto permite localizar as origens do conceito de pulsão de morte em Sabina Spielrein como antecipador do percurso freudiano e em profunda ligação com a ruptura entre Jung e Freud. Além disso, a ausência de seu nome por seis décadas das obras fundamentais da história da psicanálise aponta para um soterramento histórico que precisa ser compreendido. O escrito princeps visionário de Sabina Spielrein foi seguido de escritos importantes, principalmente de As origens das palavras infantis Papai e Mamãe (1922), lido no VI Congresso Internacional de Psicanálise, o mesmo em que Freud leu Mais além do Princípio do prazer, em 1920, (publicado, então, como Sobre o problema da origem e do desenvolvimento da linguagem) e Algumas analogias entre o pensamento da criança, o do afásico e o pensamento subconsciente (1923), que esboçam uma teoria psicanalítica da origem e do desenvolvimento da linguagem nas crianças e da formação do símbolo. Tendo trabalhado com Jean Piaget no Instituto Rousseau, em 1920, tendo sido sua analista e tendo ambos pertencido nesta época à Sociedade Suíça de Psicanálise, sendo que Piaget leu seu trabalho O pensamento simbólico e o pensamento da criança no VII Congresso Internacional de psicanálise, em 1922, podemos afirmar o pioneirismo destas idéias e de um solo comum na discussão das questões sobre a formação do pensamento e da linguagem que deram origem tanto à teoria piagetiana como à teoria psicanalítica proposta por Spielrein.
A verdade, que vem à tona da análise de seus três principais textos e de algumas observações feitas em seu diário e suas cartas é que Sabina Spielrein é uma teórica inovadora em psicanálise e uma pioneira em vários sentidos: primeira analista mulher de crianças, primeira a escrever sobre esquizofrenia usando este termo, primeira a escrever uma tese sobre psicanálise em uma universidade, primeira, junto com Stekel, o que ela logo reconhece, a pensar e formular o componente destrutivo da pulsão e a presença de uma força além do princípio do prazer, que busca o desprazer, que seria nomeada posteriormente por Freud de masoquismo primário. Uma original teórica, pois, embora partindo sempre de imagens, pois para ela, o pensamento parte sempre de imagens, não fica nelas. Trabalha com argumentos, desenvolve raciocínios e avança hipóteses metapsicológicas.

Palavras chaves: pulsão de morte, Sabina Spielrein, destruição, linguagem.
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1 Para a pós-graduação no Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia da USP, intitulada “O trabalho do amor: Sabina Spielrein e as origens do conceito de pulsão de morte”sob a orientação do prof. Dr. Nelson da Silva Junior.
2 Spielrein, Sabina. La destruction comme forme du devir. In Guibault, M. et Nobecourt, J. Entre Freud et Jung, Paris, Editions Aubier Montaigne, 1981.
 

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