Edital MCT/CNPQ 14/2008 Universal Processo 470333/2008-1



28 de novembro de 2006

CONVITE PARA DIA DO PATRIMÔNIO SÃO LUÍS

Ação Cultural Teatro das Memórias - 2006-20012



Reflexões sobre a Ação Cultural

Teatro das Memórias: a ação cultural no campo do Patrimônio Cultural e da Memória Social.

Minha intenção aqui é colocar alguns pontos importantes a partir de minha experiência com trabalho de pesquisa e extensão universitária em alguns bairros da capital. Especialmente no que nos remete ao problema da ‘espetacularização’ crescente da cultura, do patrimônio e da memória social.
Essa área do conhecimento e da vida social está sendo investida com muita força atualmente. Desde os anos 90, assistimos a ‘virada cultural’ do capitalismo – na qual o passado, o folclore, o artesanato e as demais expressões e manifestações da cultura popular, passaram a ser investidos como ‘produtos’ mercadológicos atraentes e de alto valor turístico e promocional – o chamado ‘marketing cultural’ das empresas e dos políticos.
É preciso ter muito cuidado nesse domínio – para que não se perca definitivamente o valioso acervo cultural e patrimonial da sociedade brasileira, isto é, o rico patrimônio cultural e simbólico produzido pela população brasileira, nesses 500 anos de Brasil.
Ao sofrer o impacto violento das agências de capitalização – muitos acervos culturais podem desaparecer – caso não tenha com propriedade as determinações sócio-econômicas do processo...
A principal contradição a ser enfrentada é: ao estar se voltando ‘ingenuamente’ para os produtos e bens culturais populares – nós estarmos contribuindo para o seu desaparecimento, tornando-os fósseis culturais – mercadorias inautenticas e simulacros de identidades culturais perdidas.
A ‘espetacularização’ da cultura, que transforma os bens culturais em objetos teatralizados e midiatizados – coloca em risco patrimônios culturais valiosos.
A questão então é: como resistir a essas forças atuais?
Primeiro de tudo é preciso compreender como funciona e de que forma se reproduz a lógica cultural dominante.
Todo trabalho de ação cultural (extensão e pesquisa-ação) deve ter em mente, e a priori muito bem desenhado, o mapa das condicionantes reais do sistema cultural em que se atua e trabalha. Vejamos: os empresários têm interesses específicos; os políticos outros interesses; as ‘comunidades’, outros; os agentes e técnicos, outros ainda; e assim por diante. Como decifrar a lógica de suas ações e interesses?
Esse é o trabalho do cientista social (seja ele historiador, sociólogo, antropólogo, etc). Todo trabalho científico de recuperação e reabilitação da memória social e histórica, requer muito tempo de reflexão e investigação. Isso choca com a lógica dos interesses imediatos e instrumentais, ávida por um calendário intenso de eventos e programações culturais e artísticas. A todo instante as empresas, os políticos, e a própria comunidade, exigem resultados imediatos, eventos espetaculares, etc. Como resistir a essa lógica, e fazer um trabalho científico duradouro e cidadão? Como convencer a própria comunidade, além dos agentes, empresários e políticos, eu se deve ter paciência e compreender que o trabalho com comunidades, geralmente, muito empobrecidas e em situação de risco, requer um longo trabalho com psicólogos, assistentes sociais, historiadores, cientistas sociais, etc. Essas pessoas tentem a considerar exagerado, complicado, lento e demorado o trabalho científico qualificado... Em suma, dizem e pensam: “os intelectuais e professores, complicam demais – queremos soluções imediatas...”

Diante de um quadro social com essas características e com tais contradições de interesse, nos parece que uma forma de resistir é fortalecer os grupos de pesquisa e extensão, e conseguir criar condições de mantê-los autônomos e independentes, o máximo que puder, dessas agências. Não é fácil, já que a Universidade brasileira, e a UFMA e UEMA, são particularmente avessas a trabalhar pela cidadania cultural das camadas subalternas. Ao contrário de outras Universidades do Centro-Sul, que já possuem uma boa história de trabalhos com comunidades de favelas e de bairros de periferia, a Universidades do Maranhão só contenta e dar diplomas para a classe média continuar ascendendo aos cargos de controle e prestígio – diplomando os novos membros das camadas dirigentes...

A Universidade, então, não possui ainda condições concretas para oferecer recursos próprios para que os grupos possam atuar com independência e autonomia. Isso é mal...
As próprias comunidades ao cobrarem mais atuações concretas dos pesquisadores e extensionistas, colocam a Universidade numa situação complicada.
Uma proposta interessante seria a criação de um Núcleo de Extensão e Pesquisa-ação, no Centro Histórico de São Luís, para dar condições de maior independência e autonomia aos cientistas, para que possam realizar seus trabalhos que têm metas de longo prazo.

Resumindo, quais são os problemas centrais a serem enfrentados:

1. A ‘espetaculçarização midiática’ crescente – a teatralização ‘espetacularizada’ que torna o cidadão um mero espectador passivo de produtos áudios-visuais, pré-elaborados pela indústria cinematográfica e filmográfica...
2. O trabalho científico deve resistir a força que tende a menosprezar sua utilidade social – resistir a ser relegado a um plano secundário e coadjuvante...

O Primeiro ponto é chave – é preciso enfrentar essa força de ‘espetacularização’ que transforma o cidadão em mero expectador, em mero consumidor passivo de imagens e objetos (CD’s e DVD’s). Os cuidados nesse domínio devem ser feitos com muita atenção aos procedimentos de criação e produção das imagens – deve-se ter maior controle sobre os meios de criação e produção das imagens e dos textos sobre os trabalhos. Democratizar a produção das imagens, pois é a própria democracia que está em jogo aí. Afinal os direitos culturais devem estar ligados a questão da gestão dessas produções imaginárias e discursivas...

O segundo ponto é fortalecer a produção científica. O trabalho de pesquisa exige um longo trabalho de observação, de registro, de inventário, de catalogação, etc. Exige respeito ao grupo receptor, exige longa e concentrada ‘dialogia’ entre os pesquisadores e o grupo pesquisado. Por que isso se dá? Por que o trabalho com a memória não é fácil: a memória social brasileira não é um mar de rosas... Nosso país tem uma história complexa, com muitos grupos humanos em confronto, classes sociais em disputa, migrações e deslocamentos, na maioria das vezes ‘traumáticos’. Situações históricas e sociais fruto de um colonialismo repleto de disputas, guerras, dominações e conflitos... Por isso trabalhar com a memória social, com a história de vida, com a memória histórica exige muito trabalho, cuidado e atenção. Muito respeito para com as dificuldades dos grupos sociais em ‘relembrarem’, ‘recuperarem’ histórias difíceis e traumáticas: são filhos de operários, migrantes, prostitutas, traficantes, etc., na grande maioria em situações de grave risco social. Temos que ter muita paciência, e realizar um verdadeiro trabalho ‘terapêutico’ da memória social...
A memória social brasileira é fruto de uma história de muitas dificuldades para a maioria da população – por exemplo, são apenas 100 anos de abolição da escravatura oficial, fato que ainda está muito presente na história de vida de diversos grupos sociais. Num país com a maior desigualdade social do mundo, é preciso um trabalho de grande sensibilidade antropológica, histórica e social. Os dramas sociais vividos por essas populações são muito complexos para se tratar com festas e manifestações folclóricas para turista ver – é preciso um trabalho coletivo de re-eleboração do material histórico que aflige a memória desses grupos – são angústias coletivas que devem ser tratadas por análises institucionais coerentes e bem fundamentadas. Não se pode improvisar nesse domínio...

Diante desse quadro social e político é preciso que os cientistas sociais e historiadores (os psicólogos sociais, assistentes sociais, etc) tenham em mente que é preciso resistir as forças de espetacularização e banalização midiática da história e da cultura popular. Resistir a comercialização barata da cultura, do patrimônio, do folclore e do passado, com muita energia e esclarecimento. Mas é preciso também saber trabalhar com as resistências da própria comunidade (grupo receptor), que muitas vezes cobram dos próprios pesquisadores e cientistas soluções rápidas e projetos de salvação e redenção econômica – tipo Projetos de Auto-Sustentabilidade, Arranjo Local Produtivo, Design Padronizado, etc. Temos que ter consciência das contradições que são inerentes ao processo de investimento social no campo da memória, do patrimônio e da cultura, na atualidade. Essa preocupação é legitima e exige do cientista social e do historiador um trabalho responsável digno de ser considerado um trabalho científico, que é a expectativa da sociedade brasileira. Essa expectativa não ilusória, ela está inscrita na Constituição Federal, nos artigos 215 e 216, nos quais está garantido que todo cidadão brasileiro tem direito a ‘cidadania cultural’ – algo que na atualidade não pode ser esquecido ou negligenciado por ninguém.

Alexandre Corrêa - UFMA