Edital MCT/CNPQ 14/2008 Universal Processo 470333/2008-1



1 de outubro de 2011

Cine Belas Artes: Angústia e Luto


O desfecho do caso Cine Belas Artes/SP é simbólico; nos lança no âmago da dialética do preservacionismo contemporâneo. Os paradoxos em que nos vemos encalacrados, superam nossas expectativas; parece mesmo que não temos condições de compreender o processo em sua totalidade, tal a angústia que produz. A sensação que dá, é a de que estamos num labirinto sem saída, perdidos em nossas fantasias, nostalgias e imaginação. Parecemos crianças! 

Para os que abraçaram o movimento de preservação do Cinema Belas Artes, fica a frustração e a desesperança. A razão instrumental, legal, técnica - fria, calculista, racional - venceu mais uma vez. Os dispositivos jurídicos que temos em mãos, para usar como instrumento de combate contra a destruição e a erosão cultural, são frágeis e só servem para "preservar" aquilo que se enquadra no dispositivo legal; é como se a preservação fosse um jogo de simulação, já pré-programado, pré-estabelecido: o novo, o inusitado, o anódino, o heterodoxo, não cabem na LEI! Só pode ser "tombado" o pre-visto no dispositivo, que se auto-protege contra o novo.

A Procuradoria Geral do Município de SP, expediu parecer sentenciando que o "tombamento" é "anti-constitucional"! Somos ingênuos e tolos! Os homens da LEI é que são racionais, nós somos "românticos"! 

Os conselheiros, do egrégio conselho CONPRESP, seguiram o parecer da PGM: "não há fundamento constitucional para promover o tombamento do 'lugar' dissociado da qualidade arquitetônica do edifício"!!! É LEI: ponto final! 

Foto Letícia Macedo
Apesar do DPH ter considerado que o bem possui "valor referencial, simbólico e afetivo", a plenária dos conselheiros do CONPRESP acatou integralmente o parecer da PGM.

Qual a lição tirar desse acontecimento! 

Poderíamos fazer uma lista enorme de casos semelhantes; e quantas perdas já houveram e quantas ainda ocorrerão; em nome da ordem técnica, constitucional e jurídica!

E o tal do registro do patrimônio "imaterial" (Acarajé, Pão de Queijo, etc.)? Serviria para quê? Apenas para aplacar a angústia dos nostálgicos, mais nada!

Esse mal-estar, esse desconforto, essa frustração terá que passar por alguma elaboração - uma terapêutica da memória! O luto da perda do Cine Belas Artes terá de ser elaborado de algum modo. Um caminho sempre procurado e ritualizado é o das bancas de defesa de monografias de graduação, e as diversas dissertações e teses universitárias que serão produzidas pelas academias e instituições de pesquisa; disseminando falas e mais falas, textos e mais textos, do luto institucionalizado... 

Mas, e o grupo que participou do Movimento em Defesa do Cine Belas Artes, o que vai fazer? Uma sugestão: continuar com os seminários sobre as formas de conservação, preservação e promoção cultural na atualidade! Talvez assim, mais conscientes dos limites "constitucionais", consigamos no futuro superar esses paradoxos da LEI! 

RADICAIS LIVRES 2011

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Razão Instrumental e Desencantamento do Mundo

O tema é fascinante, sem dúvida alguma. E o interessante é como nos colocamos diante dos fatos. De um modo quase inconsciente nos precipitamos em pressupor posições pré-estabelecidas, como num jogo marcado; com cartas marcadas. Tomamos as posições e, sem nos darmos conta, reproduzimos nossas crenças a partir dessas tomadas de posição no tabuleiro. 
Contudo, não se trata aqui de ser contra ou a favor da razão instrumental, de ser contra ou a favor do ordenamento jurídico e legal; se trata, sim, de refletir sobre a adequação destas convenções sociais as nossas demandas. É preciso desnaturalizar as leis - para não sermos positivistas ingênuos, ao menos. As leis podem ser draconianas, mas ninguém é obrigado a submeter-se a códigos legais ultrapassados, indefinidamente. Parece que acabamos por nos confundir nesse ponto. Os legisladores fazem leis, isso é certo, porém elas podem ou não ser cumpridas, pois são os costumes e usos da população e dos cidadãos, é que fazem a 'lei'. Quantas leis caem em desuso, são esquecidas, desaparecem, morrem? Muitas; e assim deve ser... 
Os ignorantes e analfabetos da lei dos legisladores, tem algo a dizer que merece a escuta; pois a 'sociedade', algumas vezes, se insufla contra o Estado, e as Leis... Mal-estar, angústia, revolta, revolução, mudança, transformação, nascem assim...
É interessante lembrar da Ditadura e da disciplina de OSPB, parece que tem algo a ver com a tal da Educação Patrimonial: 'educar' os analfabetos 'culturais' e 'patrimoniais' a respeitar a Lei. Todavia, o que nos interessa são os fatos, as novidades, o novo, a mudança de paradigmas; pois o mundo não para, é dinâmico, e novos problemas surgem.
Para os que estão satisfeitos e contentes com a ordem discursiva dominante, e seus parelhos ideológicos e jurídicos estabelecidos, o mundo parece pronto, acabado, justo, bem arrumado; para nós outros, os tais outsiders, os românticos, as crianças, os ignotos, etc., resta o nome da lei, o nome do pai (patri-mônio), provocando a defesa férrea, e draconiana, aos princípios legais em vigor. Isso parece edipiano demais; um pouco de psicanálise parece ser útil... A ordem simbólica pressupõe a transgressão: dai a sedução do desejo, a atração pelo proibido...
O Cine Paysandu no Rio de Janeiro foi tombado em 2008; é possível tombar, sim! Então, por que a defesa de uma razão instrumental que só promove o desapego, a indiferença, e a aversão? 
Que estranha apologia do desencanto! Subjacente a isso, percebemos bem as ambiguidades de uma modernidade a deriva! Como lembrou Hannah Arendt, através dos versos de Rene Char, parece que nossa mente ('moderna') já não funciona adequadamente; então, um pouco de segurança nas leis, para que o mundo pareça um lugar mais seguro, perene, e estável!
No entanto, a subjetividade aflora, o desejo irrompe; a dialética nos faz pensar: o desconforto é geral! Chega a ser desconcertante, para os chamados 'ignorantes' culturais, descobrir que ao reivindicarem uma ação cultural de preservação (com apelo no afetivo) revelam sua 'ignorância' e ingenuidade infantil. Receber como resposta a seu engajamento num embate preservacionista - a desqualificação de 'ignorantes' da lei, pode soar ainda mais pueril. O jogo da preservação só pode ser jogado por expertos e peritos? 
Paysandu e Belas Artes tem lições que merecem uma reflexão generosa e aberta. Mas para tal é necessário superar o momento de se colocar em posições predefinidas, e arriscar mais no pensamento. É preciso embaralhar mais as cartas desse jogo e evitar a defensiva contumaz. 
A atitude recalcitrante de desqualificar o contraditório, e evitar a escuta do que não está codificado e pré-definido, não ajuda. O Movimento pela preservação do Belas Artes se inspira na Constituição de 1988, invocando os tais direitos culturais e a tal da cidadania cultural. Talvez merecessem mais respeito as pessoas que promoveram esse trabalho organizado. 
Existe muito mais coisas entre o céu e a terra, e muitas luas novas, no firmamento da razão...

Radicais Livres 2011. 

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CONPRESP, PGM E DPH: Clivagem Importante...

Ocorreu uma interessante clivagem no interior do CONPRESP, no caso da decisão sobre a possibilidade de 'tombamento' do Cine Belas Artes de SP. De um lado tivemos divulgado que o DPH encaminhou parecer favorável, alegando que o bem possui 'valor afetivo', de acordo com as novas formas de acautelamento sugeridas e indicadas pela Constituição Federal de 1988. De outro lado tivemos o parecer da Procuradoria Geral do Município, dominada pela lógica legal, no qual se baseou para julgar a suposta  'inconstitucionalidade' do pleito encaminhado por parte da população organizada: http://querobelasartes.blogspot.com/
Sobre essa questão, vale ler um comentário bem interessante de Raquel Rolnik, que tem a vantagem de ser justa na colocação do problema, na medida em que tem consciência das vicissitudes técnicas e legais que tal pedido de tombamento provocou.

Tombamento do Cine Belas Artes: complexidade do tema desafia o Conpresp



 O pedido de tombamento do Cine Belas Artes junto ao Conpresp (Conselho Municipal do Patrimônio da Cidade de São Paulo) significa para este órgão – e para a cidade que este representa – o desafio de atualizar a noção de patrimônio histórico dos paulistanos, aproximando-a  muito mais daquilo que a Constituição de 1988 definiu como valor a ser preservado:  aquilo que carrega um forte significado para os cidadãos.
Esta tarefa não é simples: implica deslocar um olhar focado em um suposto valor excepcional da arquitetura de um lugar para incluir uma pluralidade de valores – como, por exemplo, a importância para a cidade do uso simbólico de uma esquina (Av. Paulista X Rua da Consolação) como ponto de formação/fruição de milhares de cinéfilos.
O “caso Belas Artes” é talvez um dos primeiros que o Conpresp enfrenta nesta direção – tanto é inovador o pedido encaminhado ao órgão pelos defensores da permanência do cinema naquele local, quanto o desafio conceitual e teórico que o Departamento do Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo ousou enfrentar, mostrando que, na prefeitura de São Paulo, existem profissionais preparados para atualizar conceitos e práticas.
A votação do processo está prevista para acontecer 13 de setembro.

O movimento em defesa do Cine Belas Artes protocolou um pedido de adiamento desta votação, já que, tendo o processo ficado vários meses na Procuradoria do Município, os interessados tiveram apenas uma semana para ler todo seu conteúdo e preparar sua intervenção.
Trata-se de uma reivindicação mais do que justa e correta: este processo e esta votação, como disse acima, vai muito além do tema do Belas Artes em si mesmo, representando uma oportunidade de atualização/renovação de uma questão fundamental para a cidade de São Paulo (o que é fundamental para a cidade preservar?), principalmente em tempos de enorme dinâmica imobiliária e de transformações no uso do solo da cidade.
Em tempo: na próxima quinta-feira, acontece, na Câmara Municipal de São Paulo, uma audiência pública e uma Noite em Homenagem ao Cine Belas Artes.
Radicais Livres 2011
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2008: Paissandu, o ''cinema dos intelectuais'', é tombado no Rio

NO RIO O PAISSANDU FOI TOMBADO!!!!!

Márcia Vieira - O Estadao de S.Paulo

A história do cinema Paissandu, localizado no Flamengo, zona sul do Rio, chegou ontem a um final feliz. Fechado há um mês, quando o grupo Estação Botafogo anunciou que não tinha condições de continuar administrando o cinema sem um patrocinador, o Paissandu foi tombado pelo prefeito Cesar Maia como patrimônio cultural da cidade.
Intelectuais e cineastas, alguns remanescentes da chamada Geração Paissandu, que deu fama ao lugar nos anos 60 lotando as sessões dos filmes do francês Jean-Luc Godard, tinham iniciado uma campanha pelo tombamento temendo que a família Valansi, dona do imóvel e de outras oito salas na cidade, vendesse o cinema.
Cláudio Valansi, um dos herdeiros dos fundadores do Paissandu, disse ontem que o tombamento era desnecessário. "Nunca pensamos em vender o cinema para igreja evangélica ou qualquer outro fim como andaram falando", disse. Valansi anunciou que, nos próximos dias, a família e o grupo Estação Botafogo vão assinar um acordo com o Serviço Social do Comércio (Sesc). "O Estação vai administrar e o Sesc vai patrocinar o Paissandu por dez anos. Só estamos acertando questões burocráticas", afirmou.
Depois de passar por obras de modernização, o Paissandu vai reabrir com uma programação de filmes de arte que marcaram a sua história. "A idéia deles é manter uma sala única e não dividir em multiplex. Será essencialmente um cinema de arte. Espero que o Sesc fique lá por mais 30 anos", disse Valansi.
GLAUBER E TRUFFAUT
Inaugurado em dezembro de 1960, o Paissandu é o único cinema brasileiro que carrega na sua história a façanha de ter ajudado a formar uma geração de cinéfilos. Em seu auge, entre os anos 1965 e 1970, em plena ditadura militar, jovens lotavam as salas para ver o último filme de Godard, Truffaut e de jovens cineastas do cinema novo, como Glauber Rocha. Em 1990, já dando prejuízo, foi arrendado pelo grupo Estação.
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Radicais Livres!
Entre o Passado e o Futuro: a dialética!

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Quem achou que a novela sobre o futuro do Cine Belas Artes havia chegado a um melancólico fim na semana passada, com a decisão do Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico) de não abrir o processo de tombamento do cinema, enganou-se.
O Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Arqueológico, Artístico e Turístico), que é um órgão estadual, depois de uma longa reunião esta manhã, decidiu pela abertura do processo de tombamento não apenas do cinema, mas também do antigo bar Riviera (na esquina oposta à do Belas Artes) e da passagem subterrânea da Rua da Consolação, que liga as duas esquinas.
É muito interessante essa posição do Condephaat que incluiu não apenas o cinema, mas toda a configuração daquela esquina da Rua da Consolação com a Av. Paulista. Por sinal, o edifício Anchieta, onde ficava o Riviera, foi projetado pelo escritório dos irmãos Roberto, em 1941, e é um importante exemplar da arquitetura modernista em São Paulo.
É importante lembrar, no entanto, que a abertura do processo de tombamento pelo Condephaat não significa que esses lugares e seus usos serão de fato preservados. Quando este órgão abre um processo, significa que ele ainda vai estudar e analisar a possibilidade do tombamento, mas enquanto essa avaliação não é concluída e votada no Conselho, os proprietários dos imóveis não podem descaracterizá-los nem fisicamente nem quanto ao seu uso. Qualquer coisa que eles decidam fazer também depende de autorização do Condephaat neste período.
Por outro lado, é preciso dizer que a decisão do Conpresp, na semana passada, de não abrir o processo de tombamento do Belas Artes, apesar do parecer favorável do Departamento de Patrimônio Histórico (DPH) da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, foi muito estranho. Especialmente porque, sem discutir o teor deste parecer, o Conpresp adotou a interpretação da Procuradoria Geral do Município (PGM) de São Paulo, que considerou inconstitucional o tombamento de um uso de um edifício cuja arquitetura não é significativa.
A posição da PGM revela um total desconhecimento das leis que regulam o patrimônio histórico em nosso país. O argumento é completamente absurdo e mostra que a PGM ignora que há muitos anos órgãos municipais, estaduais e federais têm tombado inúmeros imóveis que não apresentam nenhum interesse arquitetônico. Vejam o exemplo da Fábrica de Cimento Perus, em São Paulo, que foi tombado pelo significado histórico daquele lugar para a população da cidade ou inúmeras casas onde viveram pessoas importantes da nossa história.
No entanto, mais lamentável do que os argumentos da PGM é o Conpresp aceitá-los e adotá-los como sua posição. Como eu já disse, existem inúmeros bens tombados em função única e exclusivamente do seu uso. A abertura do processo de tombamento pelo Condephaat, independente de seu resultado, significará ao menos a possibilidade de realização de um debate mais qualificado sobre o futuro da esquina da Paulista com a Consolação e sua importância para a vida cultural e a memória da cidade.
Para comemorar a notícia, o Movimento pelo Cine Belas Artes convida para uma festa em frente ao cinema na quarta-feira (5), às 19h.

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