Há trinta anos a cozinheira conhecida por D. Angela, mora num único Barraco, de frente para a Praia de São Marcos, em São Luís/MA. Ao passarmos pelo local, não deixamos de vislumbrar o contraste eloquente, estampado na paisagem praiana: uma favela teimosa de um barraco só! Torres de apartamentos valendo milhões de reais completam a moldura com as Dunas e o Barraco em destaque, compondo o cenário curioso e contrastante.
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Casebre na Praia de São Marcos - São Luís/MA |
Na moderna Avenida Litorânea, cortando toda a faixa litoral, percorrendo os bairros do Farol de São Marcos e do Calhau, nesta parte da Ilha, segue o contorno das Dunas preservadas (ou melhor, largadas) em que é proibido construir qualquer imóvel. O Barraco teimoso mantém-se por força do uso-capião de mais de três décadas, ocupada pela família da cozinheira D. Angela. Ela pode continuar residindo ali com a condição de manter intacto o casebre, até a sua morte; sem qualquer melhoria, ou qualquer benfeitoria no local...
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Barroco de D. Angela - Cozinheira |
Em frente ao Barraco teimoso desfilam automóveis, disputando estacionamento nos fins de semana, no meio-fio de sua calçada... Cena curiosa numa cidade brasileira de imensos contrates! Essa é uma história interessante, sem dúvida; revelando aspectos pitorescos de um processo de urbanização recente e conturbado.
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Barraco de frente para a Praia de São Marcos |
Na residência simples e rústica - como deve se manter - habita uma família com membros de várias gerações. Não sabemos se dormem no local, ou quanto tempo mantém-se no Barraco. Percebe-se ainda que diversos usos parecem movimentar o espaço. No tempo que podemos observar, boleiros que jogavam na areia da praia, com o fim da partida e a subida da maré, vinham guardar os travessões dos gols, atrás do Barraco teimoso.
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Torres de Milhões de Reais, atrás do Barraco |
Quem passa apressado pelo local, não se dá conta dessa inusitada história de "resistência" de um indivíduo, ou grupo familiar, contra as "leis" do espaço público estabelecidas pelos tecnocratas e legisladores. Uma "resistência" idiossincrática, teimosa, curiosa, solitária... Pois, não parece ter repercussões sociais mais abrangentes; trata-se de um único barraco, em mais de três quilômetros de litoral. Só a casa de sucos que fica muito mais a frente na avenida, pode ser comparada a essa ocupação resistente. No caso da D. Angela, os usuários da praia têm uma relação de reciprocidade, em que se trocam benefícios e oportunidades eventuais de uso e compartilhamento do local. Na casa de sucos, percebemos o uso compartilhado por jovens e pessoas de origem social bem mais abastada; em que se joga vôlei, toma sucos, contempla-se o crepúsculo, namora-se, etc...
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Vista da Praia, em frente ao Barraco de D. Angela |
A praia se destaca na paisagem; triunfa na sua exuberância plástica! Que vista privilegiada! Quem poderia crer em algo assim - a única moradora da Praia de São Marcos! Remanescente dos tempos em que não havia pista, nem avenida, nem rua, nem turistas, nem boleiros, nem banhistas - só pescadores e barqueiros! Dunas e mais dunas de areia, com vegetação rasteira, que em todo verão queima em labaredas altas, dias e dias seguidos!
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Pôs-do-Sol na Praia de São Marcos |
O pôr-do-sol triunfa no horizonte. D. Angela mantém-se firme na sua residência a beira mar! Não aceitou ser deslocada e enviada para bairros distantes, em terrenos em que não poderia viver sua vida de filha, neta e bisneta de pescadores caiçaras do litoral da Ilha do Maranhão!
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Praia de São Marcos - São Luís/MA |